Revista

34

21 Março 2022

Edição de Maria Trincão Maia

Ficha Técnica

Os artigos são da inteira responsabilidade do autor.

EDITOR

Maria Trincão Maia

DESIGN E PaGINAÇÃO

Sofia Batalha e Maria Trincão Maia

revisão

Margarida Trincão e Quelinha Caetano

crédito das fotos

Unsplash.com e fotografias dos autores 

Edição 34 

Na edição 34 convidei três mulheres a escreverem na nossa revista. Margarida Trincão, mulher dos jornais, lutadora exímia pelo jornalismo regional e minha mãe. Escreve sobre o que é ter uma terra a que se chama de sua e da dor que existe neste momento no mundo. Carla Paoliello, professora universitária, chegou à minha vida com o mestrado e tornou-se minha orientadora de tese. Com uma visão incomum sobre a união entre o artesanato e design, escreve-nos sobre plantar um feijão e a profundida que essa pequena experiência pode ter. Por fim, pedi a Fátima Marques que participasse também nesta revista. Escreve-nos sobre jogos de poder e manipulação, a necessidade de encontrar culpados. A Sofia Batalha escreve sobre mudanças de perceção. E temos um artigo especial de Roberto Wanalo sobre luto e chuva. Às nossas colunistas: Élia Gonçalves, Iris Lican Garcia, Inês Peceguina, Ana Alpande, Ana Sivinate, Maristela Barrenco junta-se Jorge Moreira. São neste momento 7 colunistas que todas as edições nos acompanham, obrigada por estarem connosco.

Nasci na Terra

Margarida Trincão

Ter uma terra é um tesouro inestimável e imperdível. Eu nasci numa terra. Na casa grande, no quarto dos meus pais. Na casa onde cresci, na casa onde vivo.

Vamos plantar um feijão?

Carla PAOLIELLO

Vamos plantar um feijão? Para tal, precisaremos de um recipiente, algodão esterilizado, água e, claro, grãos de feijão. Primeiro temos que humedecer o algodão e usá-lo para forrar o fundo do copo. Colocamos alguns grãos de feijão sobre o algodão humedecido e deixamos o recipiente num local com luz.

As Linhas de Combate e Círculo

Fátima Marques

A palavra polarização passou a ser ultimamente um lugar comum. Não porque a polarização tenha começado agora. É um lugar comum em tempos de crise e a origem da violência. 

Artigo

SOFIA BATALHA

Artigo

ROBERT WANALO

Coluna

ÉLIA GONÇALVES

Coluna

IRIS LICAN GARCIA

Coluna

INÊS PECEGUINA

Coluna

ANA ALPANDE

Coluna

ANA SEVINATE

Coluna

MARISTELA BARENCO

Coluna

JORGE MOREIRA

EDITORIAL

A vida para além dos sentidos

2 MIN DE LEITURA

 

Lembro-me das sombras das folhas, do sol que espreitava por entre as copas das árvores. Os sons dos pássaros era a reconfortante melodia que me enchia as manhãs. O mundo era uma intensa descoberta, dentro de casa existiam os lugares proibidos, as gavetas trancadas e as portas encerradas. Era tudo intensamente interessante, intensamente curioso. O circular pelas salas proibidas era dentro de casa das minhas actividades favoritas, o abrir gavetas fechadas e o roubar o molho de chaves do bolso do avental da minha avó enquanto ela dormia.

Esse molho de chaves abria tudo, abria as gavetas, as portas, as casas. Podia ir a todo o lado. A imensa curiosidade levou-me a bisbilhotar tudo, dar volta a tudo.

A expressão “dás volta a tudo” era uma expressão comumente usada para reprovar o meu comportamento, tinha a curiosidade inata de saber o que escondia aquelas portas, aquelas gavetas. Não para usar o que estava lá, mas para saber, para ver. Apenas saber, se esta escondido porque será? Então abria portas com caixas de botões e linhas. Via caixas com pequenos fatinhos, bolsas de cetim e coisas velhas. Não havia nada de particularmente extraordinário no que estava fechado a sete chaves. Mas também não havia nada de vulgar. Aos nove anos o meu avô deu-me o código do cofre, mostrou-me onde estava a chave. Mostrou-me o que havia dentro.

E naquele momento que se abria o cofre o cheiro com que o sempre identifico mostrou-se. É um cheiro só daquele bocadinho da casa, onde quer que o cofre esteja, quando o abrimos o cheiro está lá.

Quando a alguém tão curioso como eu lhe é dado o acesso ao cofre é natural que se pense que iria passar lá a vida a bisbilhotar, mas não foi isso que aconteceu. Usei com sabedoria e moderação esse poder. Perguntei sempre e quando o podia ver, abrir o cofre era um ritual de como entrar num jardim mágico. O avô explicou-me que aqueles papéis eram oficiais e que se devia ter cuidado, mostrou as caixinhas, as colecções, as coisas que habitam aquele lugar. Não me achou pequena de mais, curiosa de mais. Mostrou-me e deixou-me na minha própria vivência experimentar o cofre. Eu podia experimentar aquele mistério. Era-me permitido, tinham-me dado a chave e o código.

Esquecemo-nos de desfrutar dos mistérios, os mistérios que não compreendemos e os que compreendemos. Procuramos respostas rápidas e esclarecedoras, simplistas em grande parte dos casos. Hoje vivemos tempos tremendos, em que no ar se sente o cansaço. Após dois anos de pandemia, a guerra estourou. Os noticiários foram invadidos por mortes, bombardeamentos a que sucumbem centenas de pessoas. Vacilamos entre números de COVID e números de mortes dos bombardeamentos. Vivemos longe da Ucrânia, mas sentimos a Europa em guerra, toca-nos. Sentimos o ar pesado, sabemos que algo está profundamente errado. É-nos fácil como sociedade esquecer todas as outras guerras que não estão à nossa porta, que não são na europa. Longe da vista, longe do coração. São milhares as pessoas que morrem diariamente em conflitos fruto de uma sociedade altamente doente. Dizia noutro dia: o mundo enfada-me. É doloroso ver as respostas simplistas a minarem as teias da sociedade.

Recordo-me então dos mistérios caseiros, da magia da curiosidade infantil que pergunta e quer saber, descobrir e não se ficar por um não. Abraça o mistério não para o dissecar, mas para viver com ele numa existência vivencial. Vivemos num mundo que precisa de redescobrir a complexidade.

Maria Trincão Maia

Maria Trincão Maia

Editora da Revista

Pessoa, às vezes. À procura de alguma coisa que não sabe o que é. Caminhante por margens, que às vezes anda de carro ou bicicleta elétrica. Uma espécie de estudante e uma estudante de espécie. Designer mas não sabe de que... ainda. Porém, quase preferencialmente: uma metamorfose ambulante.

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Dizia noutro dia: o mundo enfada-me.

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